O FAROL DAS LETRAS |
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Anyta Rouge
De todas, ela era a mais bonita, e também a mais solicitada. Puta desde os 15 anos, amava o cafetão; enquanto este a via como uma peça significativa em sua coleção. Claro que ele sentia algo por ela, talvez um furor, que preenchia as células, mas, o mais importante, era quantos clientes sua amada arrebatava por noite. Eles nunca eram vistos juntos, como um casal. Só no quarto, após uma longa noite de serviços prestados a homens de meia-idade, é que eles se entregavam e tinham a sonhada "noite" de amor. Anyta (26) era tão gostosa que as outras putas a invejavam. Ela tinha o cafetão - sua proteção. Evidentemente, as outras cultivavam tal sentimento, pois Anyta preservava as curvas, o seios perfeitos, os cabelos negros até a cintura, a bunda avantajada: típica brasileira. O cafetão, um homem de mais de 35 anos, sério e sedutor. Corpo perfeito, músculos no lugar certo para uma eventual batalha campal. O olhar esverdeado, cabelos lisos e castanhos, e, sem dúvida alguma, alto, bem alto, admiravelmente, alto. O elemento complicador durante as noite de trabalho era o frio. O inverno se aproximava novamente e as meninas tinham de trabalhar seminuas. Anyta, não! Ela nunca ficara seminua; nua sim, e na cama. Mas, seminua, não. Seu dono não a queria assim: exposta na rua como um pedaço de carne barato. Anyta custava muito, seus clientes pertenciam à classe média alta. Eram executivos, políticos, sociólogos, professores universitários, diplomatas. Nunca em sua vida, cruzara alguém simples, descomplicado. Anyta gostava dos diálogos com os senhores, incrivelmente, sérios. Uma seriedade duvidosa e até banal; ela sabia de todas as podridões empresariais. Conhecia muito bem o universo sujo da política e odiava a filosofia nonsense dos professores universitários. Havia também os homens que, infelizes no casamento, solicitavam além da puta outro alguém: homens, e o serviço era feito a três. Outros faziam da alcova um consultório de psicanálise ou simplesmente, adquiriam os serviços só pra ficar olhando a beleza, quase virginal, de Anyta. Tocar era o suficiente para eles. O cafetão, certa vez, teve de arrombar a porta do quarto, pois um senhor árabe, dono de poços de petróleo, não se contentara com o sexo. Inventou que o prazer verdadeiro vem com a dor carnal, por isso, resolveu que o melhor, tanto para ele quanto para Anyta, seria se os dois usassem do sangue que havia em suas veias. O árabe pegou uma navalha e, em meio ao sexo, quis cortar a garganta de Anyta que gritou. Ela nua, branca, sentiu por alguns segundos as mãos ásperas do estrangeiro apertarem o seu pescoço e encostar a navalha em sua garganta pulsante. O cafetão entrou, assim que ouviu o terceiro grito de Anyta e por sorte controlar o radicalismo do árabe, que, por sua vez, vestia uma cueca samba-canção do Mickey Mouse. Anyta tremia freneticamente no canto esquerdo do quarto número 1002, num prédio de luxo na região do Itaim Bibi. Após esse incidente, Anyta começou a sonhar e refletir sobre o futuro; não queria morrer esfaqueada e com as pernas, perfeitas, abertas. Toda menina imagina um futuro perfeito, um final feliz. Contudo, Anyta era puta, e sabia como seria o seu fim, mesmo antes do início da tragédia. Depois de muitos pedidos negados, o cafetão convenceu sua amada a voltar ao trabalho. E naquele junho, algo aconteceu. O celular do cafetão tocou inúmeras vezes, antes que um msn aparecesse com o seguinte: "Chego de Paris hoje às 20h15 no aeroporto Internacional de Guarulhos. Pago o que for preciso! Quero a melhor garota que você tiver. Ah, por favor, não se esqueça do que combinamos da última vez. Abraços, Pierre B.". O cafetão sabia o que tinha de fazer: pedir a Anyta que o ajudasse com o francês que morara durante muito tempo no Brasil. Anyta resolveu voltar às atividades. O cafetão a deixou na Marginal Pinheiro no horário combinada. Às 11h35, ela viu parar à distância um carro preto importado. O vidro fumê do lado direito abaixou lentamente. Alguém fez um sinal. Ela caminhou de modo que os sapatos não fizessem muito barulho, usava um vestido vermelho, um tanto apertado. Os seios, fartos, saltavam do decote. O cabelo, molhado ainda, estava preso. O perfume era suave. Ao entrar, teve a sensação de ser a última vez que veria as ruas movimentadas de São Paulo. As portas travaram automaticamente. O ar-condicionado estava ligado e o mp3 tocava algo em francês. Anyta não sabia falar francês; falava a língua do sexo e, as vezes, em momentos como este, português. A um cliente nunca dissera eu te amo. O silêncio tomou conta dos espaços; A cama estava quente e o francês era gostoso mesmo; Anyta se apaixonou imediatamente; No outro dia, o champanhe estava gelado e delicioso. Tivera uma noite de Amor, o sexo foi complemento. Anyta soube que o francês, Pierre B., era um pintor famoso e que viera ao Brasil para uma exposição do MASP. O conflito ficou estabelecido: ela não poderia amar um cliente. Tinha de ser profissional, mas, mal sabia ela que o francês também se apaixonara. Pierre B. ficou em São Paulo por 15 dias e durante sua estadia, Anyta teve noites de prazer mágicas. No último encontro, depois de uma longa noite de sexo, Anyta apresentava as bochechas vermelhas, a respiração ofegante; encima do seu corpo escultural, Pierre B. tocava levemente a língua em seu colo de mulher. Beijo-a. Aproximou-se dos ouvidos dela e disse com o sotaque: Anyta Rouge, je t'aime! Ele se levantou e foi tomar banho, voltaria para a França. Anyta permanecia com as pernas dobradas e o lençol branco sobre o corpo na cama. Os cabelos negros esparramados pelo travesseiro. Os sonhos em Paris... Pierre B. era casado e tinha dois filhos: uma menina e um menino adotado (na verdade, um filho de um relacionamento passageiro acontecido na Itália). Anyta vestiu o vestido vermelho que estava na poltrona, pretendeu os cabelos negros, pegou a bolsa e saiu sem dizer até logo, ou eu também te amo. Mas, todas as vezes que imaginava a possibilidade de amar alguém, além do cafetão, seu patrão, este alguém seria o Pierre B. Anyta pensou em deixar um bilhete escrito: je t'aime! Mas, não sabia escrever em francês. Saiu pelo saguão do hotel, como alguém que tivera as energias restabelecidas. Olhou o céu azul e os primeiros raios de Sol. Chegou a encontrar o francês outra vez, contudo, foram encontros profissionais; nada além de um Anyta Rouge, je t'aime! ![]() |
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