O FAROL DAS LETRAS |
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Aurora Flor e seus três maridos?!
Lá vai Aurora pelas ruas de uma cidadezinha do fim do mundo. O cabelo percorrendo a cintura, o vestido rosinha com flores bordadas à mão, um olhar vivo e o sorriso fácil. Na mão esquerda, um livro velho há muito esquecido, por enquanto: Dona Flor e seus dois maridos... Aurora Flor, é assim que se imaginava, todas as estórias a deixavam perturbada; não, ela queria ser elas, as mulheres de muitos ecritores. A casa amarela com as cercas pintadas da cor verde, o jardim que se alarga até a entrada da sala de estar, as janelas brancas abertas como os seus braços para o mundo; e o velho Astro latindo no portão para o carteiro. 18h00 e a igreja toca a Ave Maria, é hora do jantar. Aurora apressa os passos, afinal seu esposo a de chegar em breve; casada, mas não morta. Abre o portão, passa a mão na cabeça de Astro, pega as correspondências na caixinha amarela, e sutilmente abre a porta da sala de estar, enquanto a panela de pressão chia na cozinha. O cozido gostoso de sempre. É uma casa com dois andares, e uma longa escada de madeira. Aí que cheiro gostoso! Shiuuuuu, saí daqui Astro. Abrem-se os dentes brancos para o mundo. Bom estar em casa na hora em que ele chegar cansado, como sempre. Amava seu professor de português. - Boa noite querida! - Oi, boa noite. Desculpe, mas o jantar ainda não tá pronto; espere um pouco. - Sem pressa. Tô morto, hoje foi um dia difícil. - Imagino. - Sei... - A minha vó me ligou, por sinal, várias vezes. Ela quer falar algo com você sobre as próximas eleições. Sabe como ela gosta dessas coisas. Só vocês dois mesmos. - Querida, que nada, né? - Jantar à mesa. A noite quente, as estrelas caem do céu; bem perto, o trem roça os trilhos com calma. O casal dorme junto da cidade que Aurora Flor ama tanto. O velho trem vindo ainda não tinha ido embora e a cidade já admirava o novo visitante. - Você não é daqui de perto, né, moço? Perguntou o bilheteiro. - Não. Na verdade, vim visitar uma velha amiga e trabalhar como fotógrafo no jornal. Curiosa esta cidade, parece aqueles filmes ingleses antigos. Bom, good night. - Noite. Aurora Flor e seu marido, Jorge A. dormiam tranquilamente quando a campainha despertou o casal. Astro foi o primeiro a chegar, farejava o tapete rente à porta. - Jorge, quem será? - Não sei. Só pode ser sua avó. - Não, ela sempre liga antes de vir. A campainha tocou novamente e, neste momento, a vizinha Sofia, já via o forasteiro pelas frestas da janela, com o apito das aulas de educação física. Aurora calçou o chinelo rosinha e desceu as escadas de madeira, silenciosamente. Passou a mão sobre a cabeça do cachorro para acalmá-lo. Ascendeu a luz da sala... - Não pode ser! O quê? você aqui? Quanto tempo! - Sim, desde a universidade. Curso de jornalismo. É bom te ver novamente. Pelo o que noto, não mudou nada; continua com o mesmo olhar. - Os amigos são sempre os mesmos ao longo dos anos, hein Frank?! O abraço foi tão demorado que Jorge decidiu enfim ver o que era também. - Nossa, conheço essa camiseta Frank; foi eu quem te dei, não?! Na camiseta preta, estava escrito "I love Rock". - Sim. Ainda me lembro de como você me deu. Estavamos na Galeria do Rock... - É verdade. Nossa foi osso aquele dia; provas e mais provas, meu deus. - Você trabalha aqui? - Não, o Jorge, meu marido. Ei Jorge vem aqui conhecer o Frank, de quem eu tanto te falei. Bom, o Jorge é professor, e eu trabalho como assistente na creche aqui perto. Sabe como adoro crianças. - Sabe como odeio crianças. Eu fui, veja que engraçado, convidado para trabalhar num projeto para o jornal. Algo relacionado às fotos que tirei e ganharam prêmios. Nem sei onde vou ficar ainda, mas quando soube que viria para esta cidadezinha tão admirada por você, fiquei muito feliz; alguém conhecido, pelo menos. - Nossa Frank, pode ficar aqui; temos mais um quarto vago. Jorge, tem problema se o Frank ficar aqui por algum tempo? Vou perguntar porque ele é meio ciumentinho. Jorge entrou na cozinha com cara de poucos amigos, mas, mesmo assim, cumprimentou Frank. - Ouvi muito falar sobre você. Sempre quis te conhecer. Aurora te ama hein cara, que bom que vocês casaram. Nem todos os caras tem essa sorte. Frank enchia a boca de bolachas açúcaradas. - É. Ouvi muito a seu respeito também. Prazer em conhecê-lo. Fique à vontade, temos um quarto sobrando. Ouvi que veio trabalhar no jornal. Que legal! Espero que goste da cidade. Bom, vou deitar porque levanto cedo amanhã. Boa noite. -Good night. Parece legal seu marido. - Sim, ele é. Bom, agora que você tá aqui, acho que vou voltar a tirar fotos. Trouxe aquela sua super máquina? Nem sei tirar fotos mais. Jorge diz que eu preciso acreditar mais em mim, que sou inteligente e mimimi, mas sei lá. Acho melhor você ir se deitar, a viagem é estressante. Vou arrumar o quarto. - Ainda lê como antes? Escreve? - Ah, só leio; escrever me cansa. - Hum. - Olha Frank, pode dormir aqui. - Maravilha, maravilha. - Boa noite. - Night, Lady. Na escola todos já questionavam Jorge sobre o forasteiro que rompera a noite e se acomodara na sua casa. Jorge teve a paciência necessária para explicar por várias vezes quem era o Frank e o que ele tinha vindo fazer na cidade. Quem não se contentava com a história era Sofia, para ela homem nenhum podia ir chegando assim durante a madrugada e ser recebido por uma mulher casada e vestida de pijama. A cidade ficou movimentada com o visitante roqueiro; ao acordar Frank sentiu o aroma do café sendo preparado e o cheiro das torradas. Aurora estava na cozinha com o sorriso largo nos lábios, como sempre. - Bom dia! - Morning! - Você e essa sua mania doida de falar tudo em inglês. Ainda assiste só à filmes sem legenda? - Claro né Lady?! Odeio legendas. Elas estragam o brilho do filme, o propósito cinematográfico da coisa. - Entendo. Olhe, Jorge já foi para o trabalho e daqui a pouco devo ir para a creche. Acho que você sabe se virar sem mim, não? Espero que sim, qualquer coisa, tem comida na geladeira. - Eu. na verdade, vou ao jornal falar com o Sr. Alfredo sobre as minhas fotos e o projeto do jornal. Preciso começar a trabalhar urgentemente. - Olha, acho que mais à noite seria legal se fosse com a gente na casa da minha avó. Não vamos agora porque ela está na delegacia. Trabalha feito doida; um dia desses passou mal. Mas, ela fala que é forte e que a gente não sabe fazer nada direito. Tem horas que eu concordo. Como diz Jorge "vó é vó em todos os lugares". - Ele tem razão. Grande Vera e seu jeito Marilia Gabriela de falar. - Ai Franklin, não tinha nada a ver com a Marilia Gabriela. Bom, tô indo, até mais tarde. O jornal fica lá pra baixo, tá?! Tchau. - Vai lá Lady. Tô indo também. Beijo. A vida começara a ser tumultuada nos entornos da cidade. Jorge impacientara-se com tantos questionamentos sobre o Frank. E isso, de certo modo, aborrecia-o, afinal, ele sabia do namoro dos dois na época na universidade. Apesar de Aurora negar, algo poderia arder ainda entre eles. Quando o sinal tocou pela última vez naquela manhã, Jorge caminhava pelas ruas seguido pelos olhares inquisitores dos moradores mais velhos, como se, pelo fato de sua mulher ter recebido na madrugada com homem estranho vestida de pijama, representasse uma traição explícita. Na cabeça dele, não havia problemas, mas, no coração, talvez todos aqueles anos de análises tivessem sido inúteis. ![]() |
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