O FAROL DAS LETRAS |
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Espelho
Minha cabeça ainda dói depois do porre que tomei ontem à noite. Tudo parece desmoronar diante das minhas retinas castigadas. Pode um homem chorar? Não na frente dos outros. Lembro-me de ter esmurrado a mesa até quebrá-la. Sinto o meu coração apertado: eitá tequila doida demais! Não há amigos ou parentes e a namorada, bem, a namorada foi embora com um bancário. Na verdade, ela gritava por liberdade, então, enquanto o tonto aqui administrava as contas de um futuro próspero, ela deu pro cara mais sem graça da região. Apesar dos quase trinta anos, não tenho uma vida realmente planejada. Tenho vontade de gritar; queria esquecer tudo, pegar o primeiro avião pra bem longe e nunca mais voltar. Quantas pessoas nos amam verdadeiramente? Tirando os nossos pais, mais ninguém. Olho pra cama desejando que ela estivesse aqui e esquentasse a minha pele com o gosto de sua língua carnuda e rósea, como a fruta madura colhida com as mãos sujas num final de tarde em uma cidadezinha qualquer no interior do Brasil. Ultimamente, tem feito muito calor, por isso resolvi dormir pelado com as janelas abertas; certa noite, as nuvens chegaram e de repente, as gotas invadiram o quarto, molhando a cama. Não levantei pra fechar as janelas - na verdade, deixei que fosse molhado, fazia tempo que não me sentia suado. Cada gota me acertava igual as balas atiradas sem direção. Na caixa de e-mails só spam. Nenhum recado dela. A esperança tormou-se a minha inimiga íntima. A secretária do escritório esteve aqui há algum tempo. Veio trazer uns papéis e uma garrafa de vinho tinto: presente dos avós portugueses. Foi uma noite incrível - o Porto nos cegava. A canção me incomodava. O sexo rolou ali mesmo. Minha mente naufragava a distância... Que merda de reflexo! Queria nascer de novo... Porra! Esqueci de ligar pra minha mãe - época de Natal, e agora tem estas promoções de celular... Tudo pra atrapalhar o silêncio dos meus ouvidos. Preciso comprar mais uma garrafa de tequila. E limão. Acho que o queijo estava estragado, abro a porta de geladeira, o cheiro invade os ambientes. Minha cabeça roda. Onde está Deus? Nunca fui muito religioso, mas, depois que dei uns pegas na noviça, e ela deu graças ao Senhor, quis conhecer mais o universo espiritual. Só queria uma resposta para as minhas indagações - por que não posso ser amado enquanto o sexo percorre as minhas veias? A caixa-postal nunca mais tocou. Nem o síndico bateu na porta a procura da caixinha de final de ano. Como a tontura é chata. No dia anterior, tudo eram emoções, agora decepções. Preciso de ajuda. Responda! Louco?! Talvez. É a minha vez, espelho. Dá um tempo pra mim. Gostaria de viver, tem sido tão difícil respirar. Puta que pariu, espelho, responde! ![]() |
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