O FAROL DAS LETRAS |
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S.N. Paulistano
Começa a esfriar nas ruas de São Paulo. Não é uma hora de muito movimento, quase um paradoxo. O sinal do cruzamento fecha e todos os pedestres saem em disparada rumo à calçada. Penso que vai chover - que chova. Estou cansado deste ar poluído, de ter de pegar o metrô com estas partículas sufocantes. Número 12, apartamento 363 bloco A. Lá, aparece a quem procuro. Ela, estranhamente, me entrega o pacote. A sala está um tanto bagunçada, crianças choram longe e o avental dela, preso na cintura, está engordurado, manchas de molho de tomate tomam conta desta mulher gorda - sim muito gorda. Não que isso me incomode, na verdade, nem me preocupo com ela, pois só é mais uma na minha vida banal. Saio do prédio com o pacote firme em minhas mãos, sinto um fio de suor escorrer pelas minhas sobrancelhas. Enxugo-as com as pontas dos meus dedos pretos; Que cidade suja! Caminho rapidamente, não consigo ver que horas são. Talvez seja meio dia, não sei; pouco me importa. O pacote está bem lacrado, usaram papel pardo e, como sempre, as siglas S.N. na parte frontal. Faço este trabalho desde muito jovem. Na verdade, foi herança de meu pai - a única por sinal. Fiquei, involuntariamente, preso ao destino da família. Sou o filho mais velho. Meu nome não te interessa! Desço a ladeira rumo à praça central, entre as estações de metrô. A cidade está um lixo. Tudo isso por causa das reformas prometidas na eleição passada. Quanto dinheiro gasto. Que nojo! Odeio política, odeio políticos, odeio a mim mesmo. Começo a desconfiar do pacote, gostaria de abri-lo e ver o que tem dentro. Gosto de presentes, mas este não é meu e deve ser entregue no horário - como disse o chefe - sem atrasos. Afinal, o cliente tem sempre a razão; a razão dele, porque a minha sempre é oposta. Ah que nojo! Por que esses cachorros imundam a cidade?! Merdas por todos os lados. Em direção ao final da avenida, longa, muito longa, encontro o Café Chique, lugar badalado. Não, eu nunca entrei neste café. Na verdade, eu não suporto o cheiro de café. Mas, muitas pessoas que conheço frequentam este lugar. Gastam todo o dinheiro com sacanagens, prostituições. Café Chique é um nome fantasia, para aqueles que fantasiam todas as espécies de atividades sexuais. Eu quando quero algo, procuro na zona perto de casa mesmo. Bem mais barato. Às vezes, por R$5,00, você tem loucas noites de prazer. O Café Chique está aberto. Muito cedo, penso. Ah, por isso! Tá vendo? Não é muito evidente o porquê de estar aberto? Alguém foi esfaqueado. Alguém não, foi o Jucylei - conhecido como Jussa. Um homem grande, segurança de um banco na Paulista. Como se chama mesmo o banco? Sei lá, não gosto de bancos. Odeio. Nossa o Jussa esfaqueado! Meu Deus! Ninguém respeita mais os outros, nem mesmo os mercenários antigos desta cidade. Que Deus o tenha no inferno! É pra lá que ele vai, com certeza. Mercedes, a puta mais velha, está na calçada. Nossa que mulher feia, um canhão! Quando ela era mais jovem, e eu, um rapaz de quinze anos. Nossa aí sim. Ela me comeu pela primeira vez. Incrível! Agora, olho para ela, vejo só tristeza. Envelheceu rapidamente. Deu muito, né?! Haha. Eu não, mesmo que eu me odeio por ser quem sou, ainda estou firme. Mercedes já era, página virada. Livro velho. Algumas gotas começam a cair do céu plúmbeo. Puta que pariu, esqueci o guarda-chuva em casa. Merda. Devo ter cuidado com o pacote, ele não pode estragar. Os policias chegam ao Café Chique. Ricardo Monte Blanc, o dono do lugar, está conversando com o Pereira, chefe do departamento de homicídios. Eles se conhecem, pois Monte Blanc foi durante muito tempo amante secreto de Pereira. Até que o policial casasse com a Judite, a puta mais nova de Mercedes. Dizem que hoje eles estão bem de vida. A puta é hoje dama. Monte Blanc nunca mais se apaixonou por outro homem, ficou viúvo sem ao menos se casar, como ele mesmo diz, fechou a porteira. Chega. Deixa eu ir, se não me atraso. A chuva aumenta. Ventos fortes me despenteiam. Sou gostoso, ainda mais quando estou molhado. Escondo o pacote debaixo do meu sobretudo e aperto os passos. Entro num beco. Jóca acena com a cabeça. Mostro o pacote. Ele abre a porta preta com as iniciais S.N. Subo pelas escadas. Não suporto elevadores. O corredor está escuro, mal consigo ver o caminho estreito. Ratos e baratas cobrem os cantos como os guardas em presídios de segurança máxima. Chuto a cabeça de um rato, o que estoura seu crânio pequeno. Os outros se afastam. Droga! Minha bota de cano alto está manchada com sangue de rato agora. Merda. A Loira abre a porta para mim. Essa eu já peguei. Hoje, nossa relação é extremamente profissional. Eu sou assim quando quero. Ela pergunta se trouxe o pacote, mas antes, me encoxa. Consigo ouvir seu coração batendo. Os olhos azuis me deixam em conflito. Ela tem os lábios marcados por um batom rosa. Seu perfume, indescritível. Veste a mini-saia. Nossa que mulher! Não resisto. Beijo. Ela me beija. Sua língua felina roça a minha boca maligna. Sinto a saliva dela escorrer pela minha garganta. Pego-a de jeito. Quando damos conta, uma hora havia passado. Visto minhas roupas. Ela continua nua, anjo sexy. Diz que me ama e eu respondo vá se vestir. Ela pronúncia cachorro! Eu digo você é minha cadela. Beijo-a novamente. O pacote é para ser entregue hoje hein. Sim. Não se esqueça. Sei o que devo fazer. É você sempre sabe. Não pense só em pornografias. Foi você quem me pegou. É. Tá vendo por isso não nos casamos. Sei. Sabe? Ahan. Ok. Vá embora. Sim, já é tarde. Cachorro! Princesa. Vou chutar seu saco hein! Não. Sim. Entregue o pacote hoje, senão estou morto. Claro. Beijo. Vá beijar o capeta, cachorro. Eu te amo. Sei. Ao sair do prédio, Jóca fecha a porta com a sigla S.N. e pergunta se catei a Loira. Aceno afirmativamente com a cabeça. Ele ri. Caminho pelo mesmo beco e retorno para a avenida do Café Chique. Os policias ainda estão lá tomando conta do cadáver. Mercedes chora, até que um carro preto, uma BMW, para e ela entra. Vida de vagabunda é assim mesmo - chorar de prazer. Hora de voltar para casa; já fiz o meu trabalho. O movimento aumentou. Está escurecendo, as primeiras lâmpadas se acendem. O frio é sedutor. O metrô está um inferno. Cidade grande como São Paulo não existe. Até existe. Mas, eu prefiro esta. Uma cidade sexy, não acha?! Eu a odeio e a amo. Ela me lembra a Loira, não sei o porquê. Sou só o mensageiro. Qualquer dia levo um tiro. Trabalho para o S.N. - Senhor Nonsense. Dono desta cidade imunda. ![]() |
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