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Luiz Carlos Dias, Professor.


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A estranha paulistana

Ela estava ali parada há horas. Nenhum músculo do seu corpo esguio se mexia. Os cabelos soltos, levados pelo vento que cruzava a avenida movimentada pelo horário de rush. Os sons batiam em seu peito como as palavras que acabara de ouvir - tudo seria mero acaso? Há acasos na vida? As crianças fugiam da escola num ritmo frenético de quem escapa sem saber o porquê. As veias eram comprimidas pelo sangue ainda quente, sendo este acelerado pelas batidas arrítimicas do coração. Como ninguém tinha percebido? Como?!
Na verdade ninguém percebe aquilo que está bem diante do nariz; talvez, quando convém. Aí, pode ser possível uma reação, mesmo que por impulso.
O salto alto quebrado, a bolsa de marca na mão direita e os olhos, ah! os olhos! vagos... naufragados, sem reações. Tudo era um ir e vir. Buzinas, cheiros estranhos do ralo presente entre a calçada e o início do asfalto. Remendos pelo chão, excrementos de animais, moedas em oferenda ao NADA. Seus pés decidem tocar o chão.
E tocam.
Mas, o tempo a toca vorazmente; leva dela a juventude - 45 anos e nada a mais. Nem amor, nem desamor, nem brigas, nem reencontros, nem discussões, nem reconciliações. É como estar num território selvagem, sendo a caça e a carcaça. O predador a devora por dentro, tira dela os desejos, os sonhos, os pensamentos confortáveis de uma vida segura, correta, digna.
Não, só a carcaça apodrece na calçada; ela não está mais lá; não quer estar. Tudo foi roubado, sente-se como aquele alguém que fora violentado e não percebe que o sagrado se tornou profano. Os cabelos loiros percorrem os ombros largos, tocam levemente a cintura que se esconde por de trás de uma saia preta. O gesto sombrio preso num sorriso melancólico de um ser anestesiado por milhões de injeções da nova medicina plástica.
O que fazer? Retroceder??? A bolsa escorrega pelos dedos longos na mão direita e caí, deixando o estojo de maquiagem abrir, o que quebra o vidro borrado pelo batom vermelho adquirido na semana passada - dia de pagamento. O celular excessivamente caro toca sem parar. O ringtone cansa de chama-la. Aparece chamada não atendida: Ligar urgentemente para... A menina de dez ano que discute com a mãe por causa do esmalte cor de rosa pega o estojo de maquiagem e o esconde no blusão da escola. Seria ela o amanhã desta?
Os mendigos da praça fumam o baseado, deixam-se levar pela brisa invisível da perfeição. Um deles atravessa a avenida e a olha tão perto, que se pode sentir o aroma da cachaça que faz parte do sistema imunológico dele. Mas, ele desiste. Ela se entrega!
O medo corrói as vísceras, põem a mostra o que não desejamos; as vísceras dela estão expostas de forma que enxergamos todo um passado em volto em carnes podres e fétidas. Ela sabe disse, por isso rasga a camisa meia-manga e mostra os seios; ainda que um tanto duros pela não idade ou pelo frio. Ninguém, absolutamente ninguém um dia chegou a tocar naqueles seios alvos; nem mesmo a ginecologista que fora durante muitos anos sua melhor amiga.
Ela leva a mão direita até os seios e os acaricia como a mãe quando toca no filho e como a devassa que se deixa levar pelos desejos mais íntimos. Um êxtase preenche as células do seu corpo. Prazer em si, sem o corpo do outro. Ausência dela mesma. Os pedestres passam por ela como se ali houvesse uma estátua nova, erguida pela prefeitura em ano de eleição.
Aonde estão as pessoas que amo? O celular toca novamente: ligação não recebida. Quem me procura tanto neste aparelho?
Tu. Resposta errada.
Da vertiginosa vida, não há escapatória. É hora do rush, a filosofia corre mais rapidamente.
Ela, como se fosse tomada pela presentificação do momento, caminha em direção ao número 1102. Peito nu, sem bolsa, sem maquiagem, sem gosto, sem desgosto. É agosto. O corredor, tão largo quanto avenida, a aguarda.
Será mais um dia, alguém dirá que o último; não, só mais um, nada de especial. Mais um dia de trabalho nesta vida insana dessa paulistana estranha - de si mesma.






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